No bairro de Campinho, na Avenida Ernani Cardoso, denominada Nova Intendente, aconteceram os desfiles das divisões de acesso do carnaval carioca. A região está há mais de seis meses em disputa entre traficantes e milicianos, especialmente no Morro do Fubá. O Instituto Fogo Cruzado aponta que mesmo com mortes, nenhuma medida foi tomada para garantir a vida da população local, e que crianças e adolescentes foram proibidos pela Justiça de desfilar nas agremiações devido ao risco de balas perdidas. As escolas de samba União de Vaz Lobo e Urubu Samba, inclusive, desistiram de desfilar por causa de tiroteios nos arredores da Nova Intendente.
Para o coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro, Carlos Nhanga, impedir escolas de samba de desfilar em razão de tiroteios mostra como a violência armada aumenta a desigualdade de uma cidade, uma vez que parte da população tem mais direitos garantidos do que aqueles que vivem nas áreas mais afetadas. Ele disse que, em dia de tiroteio, muitas pessoas não conseguem sair de casa para trabalhar, há interrupção no transporte público e escolas e clínicas fecham. “O poder público não pode tratar isso como normal”, disse o coordenador, no relatório.
Segundo Nhanga, os dados apurados são importantes para o planejamento de políticas públicas que sejam eficazes para trazer segurança à população. O Instituto Fogo Cruzado conta hoje com um Mapa Histórico dos Grupos Armados, que ajuda a compreender as diferentes dinâmicas da violência armada no Rio de Janeiro.
Com esses dados, é possível saber, por exemplo, que a milícia controla 49,9% das áreas dominadas por grupos armados. Carlos Nhanga acredita que o trabalho do Instituto, feito em parceria com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), pode servir de base para que projetos sejam pensados com o objetivo de conter os avanços dos grupos armados na região metropolitana do Rio de Janeiro. Sem esses dados, avaliou que qualquer operação policial não terá qualquer efeito prático.
A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro não comenta dados não oficiais. Do mesmo modo, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) aponta que a atuação da instituição se baseia no tripé inteligência, investigação e ação e em dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP).
No mês de fevereiro, ocorreram 243 tiroteios na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, segundo o Instituto Fogo Cruzado, revelando queda de 14% nos registros em comparação com o mesmo período do ano passado (282 tiroteios). Do total mapeado, 96 tiroteios (39,5%) aconteceram durante ações ou operações policiais, contra 89 em fevereiro de 2022.
Ao todo, 209 pessoas foram baleadas no Grande Rio em fevereiro, sendo que 90 morreram e 119 ficaram feridas. O número de mortos caiu 6% em comparação a fevereiro do ano passado, mas houve aumento de 78% na quantidade de feridos. Entre os 209 baleados, 127 (61%) foram atingidos durante ações ou operações policiais: 43 deles morreram e 84 ficaram feridos. Em fevereiro de 2022, dos 163 baleados, 96 (59%) foram atingidos durante ações ou operações policiais, resultando em 48 mortos e 48 feridos.
Em comparação com janeiro, que acumulou 296 tiroteios, 81 mortos e 84 feridos, fevereiro teve queda de 18% dos tiroteios, embora com aumento de 11% nos mortos e de 42% nos feridos.
O relatório do Instituto Fogo Cruzado aponta que os municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro mais afetados pela violência armada em fevereiro foram Rio de Janeiro, com 159 tiroteios, 54 mortos e 53 feridos; São Gonçalo, 14 tiroteios, sete mortos e nove feridos; Duque de Caxias, 13 tiroteios, três mortos e dez feridos; São João de Meriti, 11 tiroteios, cinco mortos e dois feridos; Nova Iguaçu, 11 tiroteios, três mortos e sete feridos. Já entre os bairros do Grande Rio, o mais impactado foi Praça Seca, com 16 tiroteios, dois mortos e dois feridos.
A violência armada entre as seis regiões que compõem o Grande Rio foi mais intensa na zona norte da capital, com 79 tiroteios, 15 mortos e 31 feridos, e na zona oeste, com 72 tiroteios, 34 mortos e 21 feridos. Em seguida, aparecem a Baixada Fluminense com 53 tiroteios, 19 mortos e 49 feridos; o Leste Metropolitano, 31 tiroteios, 17 mortos e 17 feridos; a região central do município do Rio, sete tiroteios, quatro mortos e um ferido. Na zona sul, houve registro de apenas um tiroteio, com uma pessoa morta.
Em casos de roubos ou tentativas de roubo no mês de fevereiro, 20 pessoas foram baleadas no Grande Rio, das quais quatro morreram e 16 ficaram feridas. Dez agentes de segurança foram baleados em fevereiro na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo que sete morreram e três ficaram feridos. Em fevereiro de 2022, nove agentes de segurança foram baleados, sendo que cinco morreram e quatro ficaram feridos.
Também em fevereiro, 14 pessoas foram vítimas de balas perdidas no Grande Rio, sendo que três morreram e 11 ficaram feridas. Nove das 14 vítimas foram atingidas durante ações ou operações policiais. No mesmo mês de 2022, sete pessoas foram vítimas de balas perdidas.
O Instituto Fogo Cruzado contabilizou sete chacinas na Região Metropolitana do Rio em fevereiro deste ano, que resultaram em 24 mortos. Quatro dessas chacinas aconteceram durante ações ou operações policiais. Em fevereiro de 2022, foram registradas cinco chacinas, com 31 mortos.
Em relação a crianças, cinco foram baleadas no Grande Rio em fevereiro. Uma delas morreu e quatro ficaram feridas. Em fevereiro do ano passado, não houve crianças baleadas. Dos dez adolescentes baleados no Grande Rio em fevereiro de 2023, três morreram e sete ficaram feridos. Em igual mês de 2022, três adolescentes foram baleados: um morreu e dois ficaram feridos. Dois idosos foram baleados na Região Metropolitana do Rio em fevereiro: um morreu e um ficou ferido. Em fevereiro de 2022, dois idosos foram mortos a tiros.
Somando os meses de janeiro e fevereiro deste ano, houve 539 tiroteios/disparos de arma de fogo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo que 212 desses registros ocorreram durante ações/operações policiais, revela o Instituto Fogo Cruzado. Ao todo, 374 pessoas foram baleadas nos dois primeiros meses do ano, com 171 mortas e 203 feridas. No mesmo período de 2022, que concentrou 510 tiroteios, sendo 161 em ações/operações policiais, 285 pessoas foram baleadas, com 160 mortos e 125 feridos. No acumulado janeiro e fevereiro deste ano, houve aumento de 6% nos tiroteios em geral, de 32% nos tiroteios ocorridos durante ações/operações policiais, de 7% nos mortos e de 62% no número de feridos.