Coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ceres Hadich. Foto de arquivo - José Cruz/Agência Brasil
Ceres destaca que a CPI instalada nesta semana “tem um caráter extremamente político. É uma CPI que não tem razão de existir, porque não tem o fato determinado”, diz em referência ao requerimento de criação. No texto, o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) argumenta que há um “crescimento desordenado” de “invasões” a propriedades rurais produtivas no país.
No requerimento, o deputado afirma ainda que há “suposta influência por parte do governo federal na atuação deste grupo”, que teria propiciado o aumento do número de ações. Entretanto, o texto não traz qual seria o número de ocupações de terra promovidas pelo movimento nos últimos meses e cita apenas uma ação na Bahia.
A comissão de inquérito não deve, segundo Ceres, interromper as articulações e ações do MST. “O nosso foco é a luta pela terra, pela reforma agrária e por uma sociedade mais justa”, enfatiza. “Fortalecer a democracia, fortalecer o governo, a luta pela terra, a nossa autonomia, para a gente ajudar a dar as respostas para sociedade brasileira”, acrescenta.
Defesa do agronegócio
Para a cientista política Mayrá Lima, que pesquisou a atuação das CPIs que investigaram o MST, a criação de mais uma comissão é realmente uma tentativa de atacar o governo Lula e fortalecer a ideologia que sustenta o agronegócio no país. “Oposição não só, no caso, a movimentos de luta pela terra e territórios, mas também ao próprio governo federal”, ressalta.
A existência de movimentos sociais que propõe mais igualdade do uso da terra e outras formas de produção agrícola é um dos pontos, segundo a pesquisadora, que está sob ataque com a criação da comissão de inquérito. “A defesa do agronegócio como único modelo de desenvolvimento rural aceitável, de questionamento de qualquer projeto que seja diferente disso. E os movimentos sociais, não só o MST, a gente pode citar o MPA[Movimento dos Pequenos Agricultores], têm projetos divergentes”, diz.
A defesa desse modelo de produção e do direito absoluto à propriedade, que constitucionalmente está condicionada à função social, tem sido, de acordo com Mayrá, parte da essência de todas as CPIs que visaram o MST. “Os termos e as narrativas são os mesmos”, afirma a respeito das comissões. O movimento também foi alvo da CPMI “do MST” (2009-2011), da CPI Funai Incra (2015 –2016) e da Funai Incra 2 (2016 – 2017).
Além disso, a pesquisadora destaca que há uma disputa pelos incentivos públicos. “Boa parte dos produtores conseguem o seu sucesso agrícola, vamos dizer assim, porque há programas do Estado brasileiro, dos governos que vieram durante todos esses anos, que incentivaram esse modelo de produção”, diz. “No fundo dessa narrativa está a disputa pelo dinheiro público. O que o Estado vai financiar?”, questiona.