Rafael Conde explica que o filme dialoga com o livro-reportagem também intitulado Zé, do jornalista Samarone Lima, lançado em 1998. Ele dá destaque a correspondências entre José Carlos e seu pai, o jurista Edgar de Godoi da Mata Machado, deputado cassado em 1968 com base no Ato Institucional nº 5 (AI-5) e destacado professor da Faculdade de Direito da UFMG onde o filho estudou. As cartas trocadas por eles documentam dificuldades vividas durante o regime militar.
"É um recorte. O filme opta por abordar um pouquinho da intimidade de uma família na militância. E temos essa correspondência envolvendo o pai na luta pela legalidade, na luta pela restauração da democracia, e o filho atuando na clandestinidade. E nesse contexto, o Zé também se tornou pai. Ele era ligado à Ação Popular, organização oriundo da juventude católica. E o filme é uma ficção, que usa atores, para narrar esse percurso. Eu não vou contar a história para não dar spoiler demais, mas é uma trama complicada, que envolve uma traição que vem de dentro da família", diz o cineasta.
Ele destaca a importância de dar visibilidade a essa história, tendo em vista a disseminação, nos últimos anos, de discursos extremistas que exaltam o regime militar. "O filme demorou a ficar pronto e deu essa sorte de ser justamente quando precisamos voltar a falar desse tema com mais força. Estou contente que ele começa agora a circular em festivais, depois vai ser lançado em sala de cinema", acrescentou.
Raquel Hallak, coordenadora-geral da CineBH, endossa a importância das reflexões que o filme poderá proporcionar. "Acho que é um momento pra gente olhar para a tela e não perder a nossa memória. Ver o que faz parte da nossa história pra gente não regredir mais".
A CineBH é organizada anualmente desde 2007 pela Universo Produção, também responsável pelas tradicionais mostras de cinema de Tiradentes e de Ouro Preto. Nesta edição, 93 filmes nacionais e internacionais (39 longas, 31 curtas e 3 médias-metragens) serão levados para as telas. A programação, que se encerra no domingo (1º), inclui filmes e outras atividades para diversas idades, todas gratuitas.
São Paulo - Samba-Canção - Mostra CineBH - Foto Samba-Canção/DivulgaçãoAlém de assinar o filme de abertura do evento, Rafael Conde será homenageado e receberá o Troféu Horizonte junto com a atriz e diretora Yara de Novaes. As trajetórias de ambos, que seguem caminhos específicos e ao mesmo tempo entrelaçados, serão reverenciadas na cerimônia de abertura.
Professor aposentado da Escola de Belas Artes da UFMG, Rafael Conde tem longa trajetória no cinema mineiro. Por sua vez Yara é uma referência do teatro, desde a presença nos palcos como atriz e diretora até o ensino nas salas de aula.
"São nomes desse fazer artístico representativo de Minas e que mostram o cinema com arte coletiva. A Yara sempre atuando nos filmes do Rafael, como atriz ou como preparadora de elenco. O Rafael surgiu no cinema e começou a fazer filmes aos 22 anos, numa geração que era praticamente ele sozinho. E assina filmes emblemáticos envolvendo a cidade de Belo Horizonte", diz Raquel Hallak.
Entre 1998 e 2008, Rafael Conde dirigiu seis filmes que contaram com a participação de Yara seja como atriz, diretora de elenco ou assistente de direção. Entre eles estão os longas-metragens Samba Canção (2002) e Fronteira (2008). Também são frutos dessa parceria os curtas A Hora Vagabunda (1998), Françoise (2002), Rua da Amargura (2003) e A Chuva nos Telhados Antigos (2006). Alguns desses trabalhos serão exibidos durante a programação da CineBH.
"Estou muito feliz e espero, na verdade, que essa homenagem se estenda. Porque penso que, com certeza, é uma homenagem para todo mundo que trabalhou comigo. O cinema é uma arte coletiva. Isso é importante dizer e que essa homenagem se desdobre em novos trabalhos", diz Rafael Conde.