Em meio aos debates, que abordam os muitos casos de violências praticados contra indígenas, dois documentaristas não indígenas, que participaram do encontro e preparam um filme sobre a situação dos guarani, sentiram na pele a violência que, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), há muito assola os povos indígenas da região.
Organizado pela Aty Guasu, o encontro iniciado no dia 21 resultou em um documento com demandas que serão apresentadas a autoridades. Nesta edição, as principais reivindicações estão voltadas à homologação de terras e demarcações.Aty Guasu
"A Aty Guasu é uma organização que existe desde 1970. É a grande assembleia do povo Guarani Kaiowá e Guarani Nhandeva da qual meus bisavós e avós fizeram parte. Crescemos no movimento, lutando diariamente por nossos territórios", explicou à Agência Brasil a comunicadora da entidade, Sally Ñhandeva, também integrante da Apib.
Sally explica que o objetivo da assembleia está focado principalmente no debate sobre o que falta nas aldeias. "Fala também da demarcação de terra. Nós, Guarani Kaiowá, somos o povo que mais sofre e o que mais briga pelo nosso território. Por isso, denunciamos também a falta de proteção em nosso estado. Somos um povo que resiste; um povo que sempre estará pronto para morrer pela nossa terra. Fazemos esta assembleia para isso: colocar as nossas demandas no papel e entregar para as autoridades", acrescentou.
Agressão e ameaças
O jornalista canadense Renaud Philippe, 39 anos, e sua esposa, a antropóloga brasileira Ana Carolina Mira Porto, 38 anos, estão, há dois anos, preparando um fotodocumentário sobre a luta kaiowá e guarani pela demarcação das terras e sobre a realidade de acampamentos, territórios e retomadas.
Após participarem da assembleia promovida pela Aty Guasu, decidiram deixar o evento indígena e ir até uma aldeia de Iguatemi onde pretendiam filmar, após terem ouvido relatos de que dois indígenas haviam desaparecido.
Posteriormente, os dois indígenas foram encontrados mas, por questão de segurança, seus nomes não foram divulgados. Em nota, a Apib informou que eles estavam feridos e que a suspeita é de que teriam sido sequestrados por fazendeiros da região, tendo em vista que se trata de uma área de conflito.
Durante o deslocamento para a aldeia, para averiguar o caso, o casal de documentaristas estava acompanhado por um morador da comunidade, identificado como Joel, e pelo engenheiro florestal Renato Farac Galata, 41 anos, que conheceram na assembleia indígena.
No caminho, encontraram uma equipe do Departamento de Operações de Fronteira, da Polícia Militar (PM), que os abordou. Em depoimento, Galata mencionou que os policiais disseram que estavam apenas patrulhando a região, sem mencionar nada que preocupasse o trio.
Ao retornarem da aldeia, eles se depararam com uma barreira de carros bloqueando a estrada. Segundo Ana, havia dezenas de homens junto aos veículos, muitos deles encapuzados e exibindo armas. A antropóloga relatou que um dos homens se aproximou do carro e os alertou para que deixassem o local, pois ali "ficaria perigoso".
Impedidos de prosseguir, Ana, Philippe e Galata retornaram. Segundo a versão do jornalista canadense, parte dos desconhecidos os seguiram e, ao alcançá-los, os fizeram descer do carro e se deitar no chão. Ele então teria recebido vários chutes nas costas e costelas, e que um dos agressores cortou um pedaço de seu cabelo com uma faca, ameaçando fazer o mesmo com Ana.
Ana, Philippe e Galata afirmam ter sido ameaçados de morte caso não deixassem a região no mesmo dia. Libertados, os três encontraram uma equipe do Núcleo de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, da Defensoria Pública estadual, que fazia uma inspeção próxima ao local.
No boletim de ocorrência, por roubo, consta que foram levados os passaportes de Ana e Philippe, além de cartões bancários, um crachá de identificação de jornalista internacional, duas câmeras e lentes fotográficas, baterias, dois celulares, uma bolsa e outros objetos.
O caso de Ana, Philippe e Galata está sendo acompanhado pelas defensorias públicas da União (DPU) e de Mato Grosso do Sul (DPE-MS). Embora tenha atendido as vítimas e registrado um boletim de ocorrência, a Polícia Civil deixou a investigação do caso a cargo da Polícia Federal, pois o fato ocorreu em contexto de disputa de terras envolvendo comunidades indígenas e em razão desse conflito.
Proteção
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) disse lamentar e repudiar profundamente o ataque aos três profissionais que estavam produzindo um documentário sobre os povos da etnia guarani kaiowá. A pasta informou ter solicitado apoio à Força Nacional assim que foram notificados sobre a agressão.
"A ministra Sonia Guajajara lamenta que este não seja um caso isolado. Dentre os mais notórios casos recentes, ela destaca o assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que estavam registrando a situação do desmatamento e de invasões dos territórios indígenas", diz o texto ao informar que acionará outros órgãos do governo para garantir a segurança dos profissionais.
A ministra acrescenta que é importante coibir a violência contra todas as pessoas, mas reforça que há uma "tentativa clara e quase que diária" de intimidação de registros do cenário das comunidades indígenas no país, suprimindo os direitos desses povos.
* Matéria alterada às 17h50 para incluir posicionamento do Ministério dos Povos Indígenas.