Horrara Moreira, advogada e coordenadora da campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira - Foto: Arquivo Pessoal
"Há o problema da identificação, quando acontece algum erro nas informações biométricas do rosto e na comparação delas com o banco de dados. E existem os erros decorrentes dos trâmites do próprio sistema de justiça, como mandados de prisão que estão vencidos ou que já foram cumpridos", alerta Horrara.
E se fosse possível melhorar as tecnologias disponíveis, a ponto de praticamente zerar o número de erros? Mesmo assim, Horrara afirma que não impediria um outro problema grave, a característica inerentemente racista do sistema.
"Muitas tecnologias de reconhecimento facial usam a inteligência artificial como regra de processamento matemático. Ela pode ser de deep learning ou de machine learning, em que você fornece previamente um banco de dados, para que ela aprenda a identificar os rostos de pessoas no geral. E você também precisa definir critérios de quem é homem, mulher, branco, negro, e ensinar a máquina a identificar esses padrões. Qualquer enviesamento nesse treinamento da máquina vai influenciar na taxa de precisão. E o treinamento não é transparente. Se eu dou mais informações para a máquina sobre pessoas negras, ela pode indicar que pessoas negras cometem mais crimes do que pessoas brancas", avalia a advogada.
Thalita Lima coordena o Panóptico, projeto sobre reconhecimento facial do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC). Ela defende que a tecnologia não produz impacto significativo na redução da criminalidade e cita os exemplos de Salvador e do Rio de Janeiro para corroborar o argumento.
Thalita Lima, coordenadora do Panóptico, projeto sobre reconhecimento facial do CESeC - Foto: Arquivo Pessoal
"O estado que mais utilizou reconhecimento facial no Brasil foi a Bahia, onde mais de 60 municípios já o adotaram como medida de segurança pública. Salvador é permeada por câmeras que usam essa tecnologia. E um estudo do Panóptico mostra que entre 2019 e 2022, os índices criminais de roubo a transeuntes e de atentados contra a vida não tiveram mudanças significativas", diz Thalita.
"Assim como no estudo sobre o Rio de Janeiro, de um projeto piloto que aconteceu em 2019 em Copacabana e no Maracanã, quando foi verificado que a criminalidade aumentou. Segurança pública envolve medidas que são muito mais estruturais do que simplesmente adotar câmeras de reconhecimento facial", acrescenta Thalita.
A pesquisadora enfatiza que também é preciso estar alerta à ampliação da vigilância sobre a população. Em termos morais e políticos, quais os riscos à privacidade e ao direito de livre circulação nas cidades?
"Temos a vigilância em escala ampliada em ambientes de grande circulação de pessoas, e precisamos analisar que outras camadas de direito vão ser flexibilizadas. Não apenas o de se locomover, o de mobilidade, o direito à cidade, aos espaços onde se possa circular e não ter o risco de ser abordado erroneamente, mas também é preciso resguardar o direito à privacidade e à livre expressão nesses espaços. No Brasil, tem aumentado cada vez mais o uso dessa tecnologia sem uma reflexão dos riscos e sem relatórios de impacto dela", afirma.
A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com os governos do estado do Rio de Janeiro e da Bahia, citados na matéria, para que apresentassem mais dados e informações sobre o sistema de reconhecimento facial. Mas não obteve resposta até o momento.