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Cirurgias sem necessidade

Superfaturamento: veja fraudes em procedimentos ortopédicos em hospitais públicos

O Fantástico investigou denúncias contra uma empresa responsável por administrar a ala ortopédica em hospitais públicos de três estados brasileiros.


Foram investigadas denúncias contra uma empresa responsável por administrar a ala ortopédica em hospitais públicos de três estados brasileiros.

A equipe teve acesso a documentos que comprovavam superfaturamentos e cirurgias desnecessárias. Há também pacientes que até hoje, não receberam informações sobre as próteses implantadas neles.

Contrato sem licitação em Mato Grosso

Em 2021, o caminhoneiro Eduardo Goivinho, de 51 anos, precisava de uma cirurgia no quadril e a Justiça do Mato Grosso determinou que o Estado fornecesse uma prótese de cerâmica. Após a cirurgia, Eduardo descobriu que a prótese implantada não correspondia à determinada pela juíza.

Eduardo questionou o hospital e recebeu uma nota fiscal de uma empresa chamada Prótesis Distribuidora de Implantes Cirúrgicos Ltda. A nota não tinha marca, modelo, validade ou registro da prótese na Anvisa, informações que são obrigatórias por lei.

"Até agora eu não sei que prótese colocaram em mim, que a do juiz, eu tenho certeza que não foi", indaga o caminheiro.

Cirurgias sem necessidade, superfaturamento: veja fraudes em procedimentos ortopédicos em hospitais públicos — Foto: Reprodução/TV Globo

Os materiais ortopédicos, usados na cirurgia do Eduardo custaram mais de R$ 17 mil - todos fornecidos pela empresa Protesis. Ela pertence a um grupo de outras 9 empresas da qual também faz parte a MedTrauma Serviços Médicos Especializados Ltda, de Cuiabá, que tem contratos com a prefeitura da cidade e também com o governo de Mato Grosso para administrar toda a área ortopédica dos hospitais públicos do estado, tanto da capital, quanto do interior.



A MedTrauma assinou esse tipo de contrato com a prefeitura de Cuiabá e com o estado de Mato Grosso sem passar por nenhuma licitação. Esses contratos foram baseados num documento chamado Ata de Registro de Preços.

Funciona assim: uma empresa vence uma licitação para fornecer material escolar pra rede de ensino de um estado do sudeste. Essa licitação gera uma ata com uma relação dos preços de lápis, cadernos e outros itens. Um estado do nordeste também precisa comprar material escolar. Mas ao invés de abrir uma licitação, por lei, ele pode usar a ata de registro de preços que foi gerada na licitação do sudeste.

"É uma modalidade de contratação que a administração pública faz. Muito interessante porque se de repente ela encontra uma oferta no mercado que é mais vantajosa do que o preço que está registrado, mesmo que seja uma oferta momentânea, ela pode comprar fora da ata", explica Walter Cintra Ferreira, Professor em Gestão em Saúde / FGV.

Cirurgias sem necessidade, superfaturamento: veja fraudes em procedimentos ortopédicos em hospitais públicos — Foto: Reprodução/TV Globo

Denúncias de superfaturamento em Mato Grosso, Acre e Roraima

Autoridades apuram práticas de irregularidades pela MedTrauma foram exportados do Acre para o Mato Grosso e Roraima, que aderiram a ata de preços da empresa. Veja, abaixo, as notas com os outros lados.

"Uma ata de registro de preço não é ilegal. Agora, se essa ata ela, digamos assim, ela tem um vício, ela foi utilizada para superfaturar serviços e coisas desse tipo, ela acaba se disseminando para outros estados na medida que outros estados aderem a essa ata. Você no fundo, pode estar, e aí coloco ênfase, no pode, exportando um esquema ilegal de superfaturamento, eventualmente de corrupção para outros lugares", diz Vinícius Marques de Carvalho, Ministro da Controladoria Geral da União.

No dia 2 de fevereiro a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão nas sedes da MedTrauma e empresas do seu grupo. Em Roraima, a PF fez buscas até na casa Secretaria de Saúde, Cecília Lorenzon. Ela chegou a ser afastada do cargo pela justiça, mas esta semana a decisão foi revertida.

Cirurgias sem necessidade, superfaturamento: veja fraudes em procedimentos ortopédicos em hospitais públicos — Foto: Reprodução/TV Globo

O que diz a defesa da MedTrauma

Foi procurado o advogado da MedTrauma. Ele apresentou um argumento pra justificar os valores de materiais considerados pela CGU muito acima até do preço de mercado. "A empresa não tem absolutamente nada a esconder e, pelo contrário, ela tem orgulho do serviço que presta", afirma.

O advogado defendeu o modelo de contrato que dá à MedTrauma poderes pra cuidar de todo o processo – da contratação de médicos ao fornecimento de próteses e órteses, as chamadas OPMES.



Uma norma da Anvisa que prevê que cabe ao hospital entregar ao paciente todas informações sobre a prótese usada na cirurgia. O documento diz que cada prótese deve conter "no mínimo, três etiquetas de rastreabilidade com informações em língua portuguesa para fixação obrigatória no prontuário clínico no documento a ser entregue ao paciente e na documentação fiscal que gera a cobrança".

O advogado garantiu que qualquer paciente pode procurar a empresa com pedido de informações de sua prótese.

"A MedTrauma tem absoluta condição, caso o paciente entre em contato, de identificar a prótese ou a órtese que foi utilizada".

O advogado não quis comenta sobre as denúncias feitas pelos pacientes ao Fantástico. Ele disse que precisaria de informações específicas sobre casa caso.

As pessoas que apareceram na reportagem e foram operadas por médicos da MedTrauma dizem que nunca receberam documento algum com as etiquetas de informações sobre suas próteses. Elas ainda não sabem o que foi implantado dentro delas.

A equipe teve acesso a documentos que comprovavam superfaturamentos e cirurgias desnecessárias. Há também pacientes que até hoje, não receberam informações sobre as próteses implantadas neles. — Foto: Reprodução/TV Globo

Outros lados

O que diz o Acre

A Secretaria de Saúde do Acre afirmou que a licitação para contratar a MedTrauma seguiu a legislação e que depois que a CGU apontou prática de superfaturamento, intensificou a fiscalização e não encontrou nada que desabone a empresa.

O que diz Roraima

Sobre superfaturamentos descobertos pela CGU, a Secretaria de Saúde de Roraima disse que a tabela do SUS não é base para aquisição de material. Quanto à cobrança de 6 parafusos na cirurgia da paciente Maria, alegou que houve um erro administrativo. Em relação ao caso do paciente Sebastião, a Secretaria afirmou que, segundo a MedTrauma, a perna sem ferimentos foi operada por excesso de cuidado, um procedimento preventivo.

A Secretária de Saúde de Roraima, Cecília Lorenzon, afirmou ter provado que tudo o que foi apresentado para o afastamento dela não era verdade.

O que diz Mato Grosso

A Secretaria de Saúde de Mato Grosso disse que o pagamento de materiais utiliza valores de referência da tabela SUS. Para materiais fora da tabela, é praticado o menor valor de mercado. Sobre a rastreabilidade das próteses, disse que atende às exigências da Anvisa.

O que diz a Secretaria de Saúde de Cuiabá

A empresa cuiabana de saúde pública alegou que o município não chegou a executar o contrato com a MedTrauma porque sofreu intervenção estadual. O gabinete de intervenção, por sua vez, afirmou que o contrato já estava firmado antes de assumir a saúde do município.

O que diz a Prótesis Distribuidora de Implantes Cirúrgicos Ltda

A empresa Prótesis disse que todos as próteses e órteses fornecidas por ela são dotadas de rastreabilidade. A empresa enviou ao Fantástico uma nota fiscal com as informações da prótese implantada no caminhoneiro Eduardo. Como você viu na reportagem, na época da cirurgia o caminhoneiro recebeu do hospital uma nota em nome da Prótesis sem nenhuma informação.

Portal G1

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