Após ter tido uma queda de 9% em 2023, o preço da carne disparou 20,84% este ano, a maior alta desde 2019, quando o valor da proteína subiu 32,4%, segundos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (10).
Com isso, as carnes se tornaram o item com o maior peso (0,52 ponto percentual) na inflação de alimentos de 2024, que avançou 7,69%, destacou o gerente da pesquisa de inflação do IBGE, André Almeida.
Cortes populares entre os brasileiros foram destaque, como o acém (25,2%), patinho (24%) e contrafilé (20%).
Vale ressaltar que o preço da carne só começou a subir a partir de setembro. Entre janeiro e agosto, o valor do alimento registrou, inclusive, quedas mensais.
Quatro fatores ajudam a explicar a disparada de preços, segundo economistas consultados, no final de 2024:
- Ciclo pecuário: após dois anos de muitos abates, a oferta de bois vai começar a diminuir no campo;
- Clima: seca e queimadas prejudicaram a formação de pastos, principal alimento do boi;
- Exportações: Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo e vem batendo recordes de vendas;
- Renda: queda do desemprego e valorização do salário mínimo estimularam compras de carnes.
Segundo os analistas, esses fatores também indicam que o preço não deverá baixar em 2025, e a alta pode se estender até 2026.
1. Altas e baixas do ciclo pecuário
A oferta de bovinos começou a ficar mais restrita no campo e um dos motivos que explica isso são os ciclos da pecuária, explica Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em resumo, eles funcionam assim:
- alta do ciclo: quando há uma expectativa de alta nos preços do bezerro, os pecuaristas, em vez de abater as vacas, as mantêm nas fazendas para reprodução, movimento que provoca um aumento nas cotações dos bovinos (boi gordo, bezerro, novilhas, boi magro, vaca gorda, etc.);
- baixa do ciclo: quando as projeções do preço do bezerro começam a cair, um volume maior de fêmeas é encaminhado para os abates. Isso amplia a quantidade de carne no mercado, gerando uma queda nas cotações dos bovinos.
A redução do valor das carnes em 2023 e em parte de 2024 correspondeu, justamente, a um período de grande volume de abates de bois e vacas no Brasil. No terceiro trimestre deste ano, inclusive, os abates ultrapassaram, pela primeira vez, 10 milhões de cabeças, segundo uma série histórica do IBGE iniciada em 1997.
Só que, no final do ano, o ciclo pecuário começou a se inverter.
"Começou a ter menos disponibilidade de animais", pontua o economista Allan Maia, da consultoria Safras & Mercado.
"Foram abatidas muitas fêmeas nos últimos dois anos. Então, há um número menor de nascimentos", acrescenta.
Esse cenário fez o preço do bezerro 32% entre julho e dezembro de 2024, segundo o centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP .
"Produzir bezerro está ficando mais rentável. Isso significa que, em vez de abater as vacas, o pessoal vai começar a reter as fêmeas para produzir bezerro", diz o professor da FGV.
"Há, portanto, uma perspectiva de diminuição da produção de carne lá na frente. Então, em 2025, a gente deve ver os preços da carne bovina mais pressionados [ou seja, mais altos]", prevê Serigati.
Thiago Bernardino de Carvalho, responsável pela área de pecuária no Cepea/USP, acrescenta que a alta nos preços ao consumidor tende a se estender por 2026. Isso porque leva tempo até que um bezerro se torne um boi gordo, ou seja, que fique pronto para ser abatido.
"Os bezerros vão começar a nascer no ano que vem [em 2025], vão desmamar em 2026, e se tornarem boi gordo lá em 2027, 2028", explica Carvalho.
2. Secas, queimadas e menos confinamento
A maior seca da história recente do Brasil e as queimadas também ajudam a explicar a alta de preços.
"No final de abril, maio, mas principalmente entre junho e setembro, chove menos, os dias ficam mais curtos, sem muita luminosidade. Então, há menos produção de pasto, que é o principal alimento do gado".
"Nesse ano [em 2024], a seca foi maior, tivemos as queimadas, e isso potencializou a queda na produção de pastagem", diz Carvalho, acrescentando que esse cenário diminuiu o volume de boi gordo disponível para abate.
Nesses momentos, é comum que o pecuarista confine o seu gado para engordá-los com ração, o que acaba saindo mais caro. Como os preços do boi gordo ficaram em baixa boa parte deste ano, os produtores decidiram não fazer investimento, diz Carvalho.
"Isso gerou uma oferta restrita de agosto até agora", destaca o pesquisador.
3. Exportações em alta
Enquanto a produção caminha para um momento de baixa, a demanda externa por carne está aquecida, impulsionando as vendas do Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo.
Em 2024, o país bateu, inclusive, mais um recorde anual de volume de exportação. No total, o Brasil vendeu 2,8 milhões de toneladas de carne para outros países, uma alta de 25% em relação a 2023, segundo dados do Ministério da Agricultura.
"Por que nós estamos exportando volumes recordes? Porque outros fornecedores de carne bovina não estão conseguindo atender a demanda externa. A Austrália está recompondo o seu rebanho bovino. Os Estados Unidos estão no seu menor rebanho desde 1950. A Argentina está voltando agora para o mercado", comenta Serigati.
O aumento das exportações reduz a quantidade de carne disponível no país, estimulando uma alta do preço da carne para o brasileiro.
Um exemplo emblemático disso é que a inflação da carne subiu mais no Sudeste do que no Norte do país, segundo uma pesquisa feita pela Scanntech, uma empresa de inteligência de mercado com acesso a dados de mais de 45 mil estabelecimentos de varejo e atacado pelo país.
Enquanto em SP, MG e ES, o preço do quilo da carne bovina teve alta de 9,1% em setembro, em relação a igual mês do ano passado, no Norte, o valor por quilo caiu 0,4%.
"A região Norte tem vários pequenos produtores que acabam não exportando carne e atendendo o mercado da região", diz o gerente de inteligência de mercado da Scanntech Vinícius Cracasso.
É diferente dos produtores e frigoríficos do Sudeste que são mais voltados para o mercado internacional, por exemplo.
4. Renda maior e festas
No Brasil, as compras de carnes também estão aquecidas e isso contribui para manter os preços da proteína em alta.
"A taxa de desemprego está lá embaixo, a remuneração média está aumentando e a população ocupada está crescendo", comenta Serigati.
"Houve ainda uma política de valorização do salário mínimo, e reajustes de uma série de benefícios sociais, como a Previdência, BPC [Benefício de Prestação Continuada], Bolsa Família, seguro-desemprego. Isso é mais renda chegando", acrescenta o professor da FGV.
"E o bifão é a preferência nacional. Se [o brasileiro] tiver dinheiro no bolso, ele vai preferir consumir carne bovina", diz Serigati.
O pagamento do 13º salário e de bonificações no final do ano passado, somada à chegada das festas de final do ano, também manteve a demanda aquecida, conclui o economista Allan Maia, da Safras & Mercados.
Portal G1