O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou nesta terça-feira (18) ao STF (Supremo Tribunal Federal) denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por suposto envolvimento em um plano de golpe de Estado depois das eleições de 2022, o caso será analisado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.
O documento com 272 páginas traz detalhes de como o plano foi criado, e quem teria participado.
A denúncia e os envolvidos
A investigação da Polícia Federal identificou uma rede de pessoas próximas ao governo Bolsonaro que teria atuado em diferentes frentes para viabilizar o golpe. O grupo incluía figuras centrais do governo anterior, como o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
Segundo a PGR, essas pessoas estavam divididas em núcleos responsáveis por diferentes atividades, incluindo a articulação jurídica para tentar dar um verniz de legalidade ao golpe, a disseminação de informações falsas sobre o sistema eleitoral, o monitoramento de autoridades contrárias ao governo e até mesmo planos que envolviam a eliminação de opositores políticos.
A denúncia também menciona a tentativa de cooptação das Forças Armadas, mas encontrou resistência entre os militares, o que impediu que o golpe se concretizasse.
As evidências contra Bolsonaro
O relatório da Polícia Federal detalha diversos momentos em que Bolsonaro teria agido diretamente para enfraquecer o sistema democrático e questionar a legitimidade do resultado das eleições. A primeira linha de atuação do ex-presidente teria sido a propagação de desinformação sobre fraudes no processo eleitoral, algo que ele vinha fazendo desde 2019. Esse discurso, segundo a investigação, teria sido a base para alimentar a insatisfação de seus apoiadores e preparar o terreno para a contestação dos resultados.
Além da campanha de desinformação, a PF identificou reuniões estratégicas entre Bolsonaro e ministros, nas quais se discutia a viabilidade do golpe.
Outro ponto central da denúncia diz respeito à tentativa de anulação de votos por meio do PL, partido de Bolsonaro. Em 22 de novembro de 2022, a legenda protocolou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido para que fossem invalidados os votos registrados em urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020, alegando falta de identificação adequada dos dispositivos.
Outro elemento importante na denúncia é a chamada "minuta do golpe", um decreto que previa a declaração de Estado de Defesa no TSE, a anulação das eleições e a criação de uma "Comissão de Regularidade Eleitoral" para reavaliar os resultados. No entanto, o ex-presidente optou por não assinar o documento, temendo represálias e sem o respaldo das Forças Armadas.
A investigação também identificou uma carta direcionada aos militares, assinada por aliados de Bolsonaro, com o objetivo de pressionar o então comandante do Exército, general Freire Gomes, a aderir ao suposto plano golpista.
O início
Segundo o posicionamento da PGR (Procuradoria-Geral da República), a partir de 2021, Bolsonaro adotou um tom "crescente" de ruptura com a normalidade institucional em diversos pronunciamentos públicos, nos quais se mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor. A postura ganhou ainda mais força, segundo o órgão, depois que Lula se tornou elegível para a eleição de 2022.
Assim, o parecer afirma que o núcleo da suposta organização criminosa passou a incentivar o presidente a afrontar e desobedecer às decisões do STF.
"Começaram, então, práticas de execução do plano articulado para a manutenção do poder do Presidente da República, não obstante o resultado que as urnas oferecessem no ano seguinte", afirma o documento.
As lives
No entendimento da PGR, as lives realizadas por Bolsonaro dentro do Palácio do Planalto faziam parte de um plano de insurreição, com discursos agressivos e ataques pessoais contra pessoas identificadas como "inimigos do povo".
"A articulação para esse fim envolvia a propagação de palavras de ódio, sobretudo no ambiente da internet, contra personagens da vida institucional do país identificados como inimigos do grupo, em especial aqueles com a incumbência de dirigir as eleições e zelar pela normalidade do processo."
Transmissão de 29 de julho de 2021
O presidente abriu uma transmissão ao vivo para tratar especificamente do sistema eletrônico de votação. Segundo a PGR, naquele momento, as pesquisas já indicavam uma queda do então presidente na intenção de voto.
Bolsonaro, então, voltou a questionar a segurança das urnas eletrônicas e a transparência na contagem dos votos, mesmo sem apresentar provas.
O então ministro Anderson Torres também participou da live e afirmou que a Polícia Federal teria emitido algumas considerações e sugestões. "Por exemplo, ela diz aqui que um dos fundamentos do sistema de votação é que ele seja auditável em todas as suas etapas. Apesar de ser possível auditar a totalização dos boletins de urna, não é possível auditar, de forma satisfatória, o processo entre a votação do eleitor e a contabilização do voto no boletim de urna."
Ao ser ouvido pela investigação, Torres confirmou que participou da live, mas admitiu que mentiu na transmissão, reconhecendo que "não foi possível depreender do material que teve acesso à existência de fraude ou manipulação de voto".
7 de setembro
Nos festejos de 7 de setembro de 2021, o presidente voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes e afirmou que não iria "mais se submeter às deliberações provenientes da Suprema Corte", confiando no apoio que teria das Forças Armadas.
As investigações da Polícia Federal revelaram que o pronunciamento não foi um mero arroubo impensado e inconsequente. Já então, o grupo ao redor do presidente havia até mesmo traçado uma estratégia de atuação em prol de seu líder, incluindo um plano de fuga do país caso lhe faltasse o apoio armado com que contava.
Documentos
A investigação também encontrou a anotação de uma reunião com "diretrizes estratégicas" que deveriam ser adotada pelo grupo. Entre os tópicos estão, "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações", acompanhada do registro "é válido continuar a criticar a urna eletrônica".
Outra evidência foi o documento "Relatório de Análise de Urna Eletrônica (2016)", encontrado com Augusto Heleno. O então texto apresentava quatro argumentos sobre a impossibilidade de "auditar de forma satisfatória" o processo de votação e a contabilização dos votos, sob a alegação de que as chaves de criptografia não eram bem protegidas.
Plano para eliminar opositores
Um dos trechos do relatório da Polícia Federal envolve a descoberta da "Missão Punhal Verde e Amarelo", um plano que previa a prisão e assassinato de figuras-chave da oposição, incluindo o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
De acordo com a investigação, o plano teria sido arquitetado por um grupo de militares ligados ao governo e formalizado em um documento impresso dentro do Palácio do Planalto em 9 de novembro de 2022. Esse material teria sido levado ao Palácio da Alvorada e apresentado a Bolsonaro, que teria recebido atualizações frequentes sobre o andamento da operação.
A PF descobriu que os envolvidos na trama usavam códigos e mensagens cifradas para se comunicar, referindo-se às ações como "Operação Copa 2022". A troca de mensagens entre integrantes do grupo, combinada com registros de deslocamentos suspeitos e tentativas de vigilância sobre Alexandre de Moraes, serviu de base para os indiciamentos.
Em novembro de 2024, a Operação Contragolpe prendeu cinco pessoas, incluindo o general Mário Fernandes, que teria coordenado a execução do plano.
O que acontece agora?
Com base no relatório da PF, a Procuradoria-Geral da República formalizou a denúncia contra Bolsonaro e seus aliados por crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Agora, caberá ao STF decidir se aceita a denúncia e transforma os investigados em réus.
Se o STF aceitar a denúncia, Bolsonaro passará a responder formalmente às acusações, podendo enfrentar uma pena de até 30 anos de prisão caso seja condenado.
Com as novas acusações, a Justiça deverá analisar o nível de envolvimento do ex-presidente e de seus aliados, bem como a existência de novos elementos que possam reforçar a tese de que havia um plano estruturado para impedir a posse do presidente eleito.
Nos próximos dias, espera-se que os advogados dos denunciados apresentem suas defesas e que o STF defina os próximos passos do processo.
Defesas
Jair Bolsonaro
A defesa do ex-presidente disse que recebeu "com estarrecimento e indignação" a denúncia da Procuradoria-Geral da República.
De acordo com o comunicado, Bolsonaro "jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam".
"A despeito dos quase dois anos de investigações — período em que foi alvo de exaustivas diligências investigatórias, amplamente suportadas por medidas cautelares de cunho invasivo, contemplando, inclusive, a custódia preventiva de apoiadores próximos —, nenhum elemento que conectasse minimamente o Presidente à narrativa construída na denúncia, foi encontrado", continuou a defesa.
Segundo os advogados, não há qualquer mensagem de Bolsonaro "que embase a acusação, apesar de uma verdadeira devassa que foi feita em seus telefones pessoais".
"A inepta denúncia chega ao cúmulo de lhe atribuir participação em planos contraditórios entre si e baseada numa única delação premiada, diversas vezes alteradas, por um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa", destacou a defesa.
"O Presidente Jair Bolsonaro confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá por sua precariedade, incoerência e ausência de fatos verídicos que a sustentem perante o Judiciário", concluiu a defesa dele.
Walter Braga Netto
Um dos denunciados foi o ex-ministro Walter Braga Netto. A PGR imputou a ele os crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado, observadas as regras de concurso de pessoas e concurso material.
A defesa dele disse que "a fantasiosa denúncia apresentada contra o General Braga Netto não apaga a sua história ilibada de mais de 40 anos de serviços ao Exército brasileiro".
"O General Braga Betto está preso há mais de 60 dias e ainda não teve amplo acesso aos autos, encontra-se preso em razão de uma delação premiada que não lhe foi permitido conhecer e contraditar", disseram os advogados.
A defesa afirma que Braga Netto "teve o seu pedido para prestar esclarecimentos sumariamente ignorado pela PF e pelo MPF, demonstrando o desprezo por uma apuração criteriosa e imparcial".
Os advogados destacaram que "é surpreendente que a denúncia seja feita sem que o relatório complementar da investigação fosse apresentado pela Polícia Federal".
"É inadmissível numa democracia, no Estado Democrático de Direito, tantas violações ao direito de defesa serem feitas de maneira escancarada. A defesa confia na Corte, que o STF irá colocar essa malfadada investigação nos trilhos."
Almir Garnier Santos
O ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos foi denunciado pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado, observadas as regras de concurso de pessoas e concurso material.
A defesa dele disse que, antes de se manifestar, vai ler a denúncia da PGR. "Creio que agora teremos acesso à delação do Cid. Em seguida exerceremos o contraditório", afirmaram os advogados.
R7