"Existem pessoas que talvez ainda não tenham a necessária clareza do que está em jogo no Brasil", disse Marina. "Estamos fazendo um debate estratégico para o mundo e para o país. Teremos que ter muita capacidade de mediação, muita resiliência e persistência. Do contrário, ficaremos trancados do lado de fora. Não adianta imaginar que [países] vão fechar as portas para os produtos de carbono intensivo [deixando de importá-los], mas que vamos poder escorregar para outro lado [negociando com outras nações]. Este espaço vai se fechar [globalmente] e já deveríamos estar fazendo o dever de casa", acrescentou a ministra.
A exemplo de outras pastas da área socioambiental, como os ministérios dos Povos Indígenas e do Desenvolvimento Agrário, o Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima pode perder algumas de suas principais atribuições caso sejam mantidas as mudanças na estrutura do atual governo federal que a comissão mista do Congresso Nacional que analisa a Medida Provisória (MP) 1.154/23 aprovou na última quarta-feira (24).Instituída para analisar a MP 1.154/23 com que o Poder Executivo definiu a organização administrativa federal, criando novos ministérios e redefinindo competências de outros, a comissão mista aprovou por 15 votos a 3 a proposta do relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL). O texto aprovado altera a organização definida pelo governo Lula, esvaziando algumas pastas de suas competências. Com isso, o Meio Ambiente pode por exemplo, deixar de responder pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), pelos sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos e até mesmo pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
O texto ainda vai ser votado nos plenários da Câmara e do Senado, que têm até esta quinta-feira (1º) para concluir a análise, sob risco de a MP perder a validade, resultando na automática retomada da estrutura deixada pelo governo de Jair Bolsonaro.
"O presidente Lula deu uma mensagem de que vamos trabalhar até o último momento para preservar as atribuições do MMA e do Ministério dos Povos Indígenas. Disse que vamos continuar com nosso propósito, com nosso programa [de governo], e que estas políticas estão no coração do governo", afirmou Marina, ao participar, por videochamada, do seminário Retomada Econômica Verde – Aprendizados para a Construção da Agenda Brasileira, realizado pelo Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, em parceria com o Instituto Democracia e Sustentabilidade, com a plataforma Por Quê? - Economês em Bom Português e com o Laboratório Arq.Futuro.
Comparando a luta ambientalista no Brasil à figura mitológica de Sísifo - o mortal condenado pelos deuses gregos a, por toda a eternidade, empurrar uma pedra até o topo de uma montanha apenas para, em seguida, vê-la rolar encosta abaixo –, Marina disse que o país adia os investimentos necessários à transição para um modelo econômico de desenvolvimento mais sustentável.
"Há um esforço que o mundo todo está fazendo. Alguns estão conseguindo mais, outros, menos. No caso do Brasil, é aquele mito de Sísifo. Você rola pedra até o topo da montanha e, depois, ela desce. No outro dia, a operação se repete. Isso não pode continuar acontecendo em um país que reúne as melhores condições para fazer esta transição [energética], pelas vantagens comparativas que tem", acrescentou a ministra. "Ainda bem que existem empresas de todos os setores; acadêmicos; movimentos sociais; governos e agentes públicos alinhados com esta agenda."
Após garantir que o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente -- ou seja, de toda estrutura legal e burocrática criada para proteger, melhorar e recuperar a qualidade ambiental no Brasil -- é uma diretriz do governo Lula, Marina destacou a importância da participação social como forma de garantir que o Brasil migre para uma economia "verde, de baixo carbono e sustentável".
"É fundamental agora escolhermos [sobre] o que queremos divergir e [a respeito do] que queremos convergir", destacou a ministra, dizendo acreditar que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e alguns dos principais líderes empresariais do país não estão entre os que ainda não se convenceram dos riscos que o atual modelo exploratório dos recursos naturais representa para toda a humanidade e dos potenciais ganhos econômicos e sociais de uma mudança de paradigmas.
"Os esforços para enxergarmos o problema da mudança climática e operarmos para mitigá-lo e [para nos] adaptarmos [às novas condições] são fundamentais para que possamos [enxergar a] oportunidade, gerando [novos] empregos, renda e vida digna para as pessoas", disse Marina, sustentando que os investimentos necessários à transição energética pode gerar um "novo ciclo de prosperidade" global.