"Esse delirar no caminho pelas ruas, pela cidade, no encontro com as coisas comuns da vida, as coisas do cotidiano seriam o estopim para fazer arte", aponta o curador. Ele explica que a exposição busca ressaltar essa ideia que o artista repetiu na fase final da vida dele, em cartas com amigos, por exemplo.
"Era algo que realmente o motivava sair pra rua. A exposição é uma tentativa de um olhar retrospectivo, do começo até o final desse movimento", explica Moacir dos Anjos. Ele contextualiza que a obra dele nos anos 1950 está ligada a uma tradição construtiva da arte brasileira, como uma distração geométrica.
"Pouco a pouco, aquilo vai se fragmentando dentro desses trabalhos ainda como desenhos no papel e depois se transforma em objetos que passam a ocupar o espaço e serem penetráveis. As pessoas penetram nos trabalhos", exemplifica.
O que era pintura na parede se transforma em arte no espaço aberto. O pesquisador explica que os anos 1960 influenciam o artista, incluindo o contato com os músicos da Tropicália, com a cultura popular, no samba da Mangueira e as relações do movimento do corpo e da arquitetura.
"Uma certa ginga e improvisação fundamentais para entender que o corpo ganha autonomia e protagonismo", aponta o curador.
Ele explica que, na visão de Oiticica, o artista passa a ser um propositor de situações para que as pessoas possam descobrir e viver com arte. "Ele quebra essas distinções entre artista e não artista, entre museu e rua".
Moacir dos Anjos entende que, dentre tantas obras, uma das que ele sugere para que o público perceba a arte de Oiticica é a intitulada Grande Núcleo (1960), que está na galeria 3 do CCBB. "É uma obra com placas de madeira suspensas formando uma estrutura grande, amarela, laranja, em vários tons. É uma obra que os visitantes não devem deixar de ver".
Outro caminho para conhecer o pensamento de Hélio Oiticica é ler as correspondências com as quais ele se correspondia com amigos, outros artistas e familiares.O livro Hélio Oiticica: cartas 1962-1970 é resultado do trabalho de mais de quatro anos feito pela pesquisadora Tânia Rivera, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com Carlos Oiticica Filho, que foi o idealizador do projeto. Trata-se de obra de mais de 300 páginas .
"Desde muito jovem, ele já fazia cópias das cartas que ele escrevia e guardava. Então, a gente tem um material imenso que foi objeto de uma pesquisa muito aprofundada. É um primeiro volume. Nós vamos ter um segundo volume cobrindo a década de 1970 (previsto para o ano de 2025)".
Na década de 1960, momento que mescla efervescência de pensamentos, produção, vida em Londres e reação à ditadura militar, as cartas descortinam o pensamento de um jovem que está à frente do seu tempo.
As correspondências revelam, por exemplo, uma busca permanente por elaborar conceitos e compreender o momento artístico. Para Tânia Rivera, os textos são como crônicas da sua época. "As cartas, na minha opinião, devem ser consideradas parte da obra do artista. Uma obra que buscava a essência total entre arte e vida com uma intensidade extraordinária". Para ela, esses textos são, às vezes, divertidos, e também profundos. Um mergulho no pensamento do jovem artista que morreu cedo demais.
A pesquisadora atenta para o fato da preocupação de uma dimensão coletiva da criação artística. "Ele exorta os colegas a uma ação conjunta. Especialmente, naquele momento, de 1969 (quando há o recrudescimento da violência do Estado e extinção das liberdades individuais), depois de saber que Gilberto Gil e Caetano Veloso estavam sendo presos por estarem com a Bandeira com a inscrição "seja marginal, seja herói", criada por Hélio Oiticica.
A pesquisadora explica que, a partir disso, as cartas revelam como Oiticica passa, imediatamente, a organizar um evento que seria um ato político pela libertação de Caetano e Gil. "Ele reflete sobre o papel do artista na sociedade, especialmente em relação à política. Oiticica diz que seria possível um artista não se posicionar". As palavras e as obras ficaram eternizadas.