Na exposição em Brasília, que tem curadoria de Marcello Dantas, há obras de diferentes fases da vida de Portinari, como a raríssima
Baile na Roça, produzida em 1923, quando o artista tinha apenas 20 anos de idade. É a primeira com temática nacional. Segundo o filho do artista, como o quadro não foi bem aceito na época na Escola de Belas Artes, Portinari, decepcionado, vendeu a obra e nunca mais conseguiu encontrar. "Ele passou a vida inteira buscando recuperar o quatro. Morreu sem a emoção de encontrar a sua tela de juventude".O Projeto Portinari a localizou no início dos anos 80. A obra está pela primeira vez em Brasília. O quadro homenageia familiares e amigos de Brodowski. Ainda sem as mesmas tintas que o deixariam célebre.
A formação pessoal e os ideais nasceriam juntos das dificuldades de pais imigrantes pobres da Itália. Eles recomeçaram a vida na lavoura de café. Foi lá que o artista descobriu a necessidade de se expressar com tintas e palavras. "Portinari nasceu numa condição difícil. Ele só conseguiu estudar até a terceira série. Ele não pôde continuar porque tinha que ajudar os 11 irmãos e os pais na colheita do café", diz o filho pesquisador.
A história da família em Brodowski tem espaço na exposição e ajuda a entender as origens do pensamento do artista, de sotaque caipira e perspicaz. "Portinari tinha 11 anos de idade quando fez um desenho do maestro Carlos Gomes, copiado de um maço de cigarro que existia
antigamente". Os amigos da cidade ficaram abismados com o talento do garoto criativo. Tanto que se tornou um ilustrador naqueles primeiros anos de arte. Brasília, 1º-09-2023 - Obra apresentada na exposição Portinari Raros - Valter Campanato/Agência BrasilO professor explica que Portinari revelou em suas obras curiosidade enorme sobre ciência e tecnologia diante da efervescência cultural das primeiras décadas do século 20. "Ele passou a usar elementos matemáticos na obra dele", o que incluiu as proporções e os estudos cromáticos. "Portinari tinha uma curiosidade imensa em saber como os outros artistas pintavam".
A ternura de rememorar a infância, como na obra Jangada e Carcaça
(de 1940), que está entre as disponíveis na mostra, mostra um Portinari menos conhecido. "Uma vez, depois de uma palestra em uma escola, uma garotinha levantou o dedo e disse que o que ela mais havia gostado é que, no tempo de Portinari, as crianças brincavam à noite". Tocou a criança, assim como emociona o filho em Roda infantil. "É a obra que eu mais gosto dessa fase". Outro trabalho que o marca é Meninos com Balões (1951). "Imagine emocionar-se pela infância aos 84 anos de idade, como eu". Outra obra que se refere à infância é Menino com Gaiola (1961), momento em que o filho recorda que o pai estaria em um momento de depressão.O pesquisador entende que diferentes elementos destacam o valor da natureza para a obra dele, inclusive com características tropicalistas. "Sempre tem a paixão pelo Brasil, pelo
brasileiro, pelos animais", afirma. Um exemplo está em Flora e Fauna Brasileiras (de 1934).Aliás, para o pesquisador, os anos de 1930 são chave para entender uma mudança de temática: o olhar passa a ser social, quando passa a pintar famílias de retirantes e exploração. A mostra ainda traz esboços e painéis, com estudos de obras clássicas dele.
Já os anos 1940 são, de acordo com o filho-pesquisador, muito produtivos, ora pela denúncia sobre a 2ª Guerra Mundial, em que ele chamava a atenção para o nazismo, como na obra
Gráfica (1942), ora pelas obras de outra matriz ou sobre o meio ambiente ameaçado, como em Balé Iara "Para absorver tudo o que há na exposição, é preciso mais do que uma visita", avalia.Espaços interativos na mostra garantem fruição dos sentidos, como no espaço Portinari Imenso,
que está no pavilhão de vidro, com projeção de pinturas e trilha sonora original de autoria de Cacá Machado. Os bancos improvisados são as sacas de café, e o público fica imerso no pensamento do artista que nasceu há 120 anos.Outra celebração agendada é que os históricos painéis gigantes de
Guerra e Paz, que estão na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), devem ser levados temporariamente para o Museu Nacional da China no ano que vem, como celebração dos 50 anos das relações diplomáticas entre o Brasil e aquele país. Brasília, 1º-09-2023 - Obra apresentada na exposição Portinari Raros - Valter Campanato/Agência BrasilEsse será mais um momento de alegria para o professor João Candido Portinari, na missão de garantir espaço para a genialidade do pai por todo o mundo. "Quando eu era criança, perguntava para a minha mãe se meu pai não trabalhava como os outros. Sempre o via pintando e não entendia". Só depois foi compreender a "imensidão" do homem-artista. Hoje, o maior objetivo é mostrar às crianças. O projeto disponibiliza 5,4 mil imagens e 30 mil documentos que ajudam a explicar quem é Portinari. Não para de recolher nem de democratizar o acesso. O professor procura entender o artista, e o filho vibra a cada encontro com o pai.