A partir de uma ação protocolada em 2017 pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo declarou inconstitucional o trecho da Lei 12.910/2013, da Bahia, que estabeleceu prazo de 31 de dezembro de 2018 para apresentação de requerimento com objetivo de reconhecer a posse das terras.
Na ação, a PGR afirmou que a norma limitou o direito à existência das comunidades ao definir limite temporal de cinco anos após a edição da lei para regularização.As comunidades de fundo e fecho de pasto são tradicionais do sertão da Bahia e possuem cerca de 200 anos de história.
Elas são caracterizadas pela moradia de camponeses que praticam a agricultura familiar de subsistência pelo semiárido baiano.
Nas terras, não há um único dono, e a criação coletiva de animais é feita nas chamadas áreas de fundo de pasto, nas quais os animais são mantidos em áreas fixas, dentro da comunidade.
Nas terras de fecho de pasto, os animais são criados em rebanhos que ficam distantes do território, por falta de espaço nas comunidades. Nesses locais, o rebanho é levado por vaqueiros, que chegam a percorrer um dia de viagem para chegar ao pasto.
A maioria de votos contra o marco temporal foi obtida a partir da manifestação da relatora e presidente do STF, ministra Rosa Weber.
A ministra entendeu que o limite temporal é inconstitucional. Para Rosa Weber, as comunidades tradicionais têm direito a reivindicar os documentos de territórios ocupados por séculos a qualquer tempo.
Rosa Weber também fez um apelo para que o governo da Bahia tome medidas legislativas, administrativas e judiciais para proteger os membros das comunidades.
"Negar a garantia às terras tradicionalmente ocupadas é negar a própria identidade, o reconhecimento da comunidade tradicional na sua singularidade cultural. É condenar um grupo culturalmente diferenciado, centrado na particular relação com o local que estrutura suas formas de criar, fazer e viver", afirmou a ministra.
Em seguida, o ministro Cristiano Zanin também reconheceu que as comunidades de fundo e fecho de pasto são protegidas pela Constituição.
Para o ministro, o limite temporal "aprisiona as futuras gerações", que não poderiam solicitar o direito ao reconhecimento das terras.
"Ao estabelecer limite temporal para o reconhecimento e regularização fundiária das referidas comunidades tradicionais, o estado da Bahia coloca em risco a própria existência digna e o desenvolvimento dos indivíduos que integram os referidos grupos", afirmou.
O voto da relatora foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Roberto Barroso e Cármen Lúcia.
Nunes Marques divergiu em parte e afirmou que os estados podem fixar prazos para o reconhecimento de terras. No entanto, o ministro entendeu, que, no caso específico da Bahia, o prazo estipulado pela lei foi irrazoável e deveria contar a partir do julgamento de hoje.
Os territórios das comunidades de fundo e fecho de pasto começam a surgir a partir do declínio das sesmarias, pedaços de terras distribuídas pela Coroa Portuguesa a latifundiários durante o período colonial.
Após o declínio do ciclo do açúcar na Bahia, no século 18, as terras começaram a ser abandonadas, e trabalhadores dos latifúndios passaram a viver nelas. Os territórios se consolidaram a partir do desinteresse econômico pelo sertão baiano nos séculos 19 e 20.
Ao longo dos anos, a atividade rural passou por gerações de camponeses. A partir de 1970, com a expansão do agronegócio pelo interior da Bahia, iniciaram-se os avanços ilegais de terra em direção aos territórios comunidades de quilombolas e de fundo e fecho de pasto.
Os conflitos envolvem grilagem das terras comunais, adulteração de documentos de posse uso de violência para intimidar as pessoas oriundas das comunidades.
De acordo com organizações que aturam em defesa dos agricultores, existem cerca de 1,5 mil comunidades de fundos e fechos de pasto na Bahia.