O mês de maio já pode ser considerado o de menor avanço da vacinação contra a Covid-19 no Brasil em 2022, refletindo a estagnação do patamar de cobertura atingido. Nos primeiros 15 dias, a média diária de doses aplicadas foi de 250 mil, uma queda de 40,7% em relação ao mesmo período de abril.
A aplicação da terceira dose caiu 57,6% na primeira quinzena deste mês, em comparação com abril, apesar de quatro em cada dez brasileiros aptos (acima de 18 anos e que tenham tomado a segunda dose há mais de quatro meses) ainda não terem recebido o reforço.
Dos 143 milhões de pessoas que tomaram as duas doses ou a dose única e, portanto, estariam elegíveis para a terceira dose, 86,5 milhões (60,5%) tomaram o reforço.
Cerca de 56,5 milhões de indivíduos estão com apenas duas doses. Outros 18,5 milhões tomaram somente a primeira dose até agora.
A vacinação havia ganhado fôlego no primeiro trimestre, com a inclusão de crianças de 5 a 11 anos.
Nos primeiros 15 dias de fevereiro, por exemplo, 1 milhão de doses foram aplicadas, patamar que caiu para 630 mil na primeira quinzena de março e para 422 mil no mesmo período de abril.
"Preocupa, neste sentido, a estagnação no crescimento da cobertura vacinal na população adulta, além da desaceleração da curva de cobertura de terceira dose, especialmente pela adesão substancialmente menor de adultos à aplicação da dose de reforço", alertam pesquisadores do Observatório Covid-19 da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em um boletim divulgado nesta quinta-feira (19).
O médico Renato Kfouri, membro da diretoria da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) e da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 do Ministério da Saúde, concorda que há pouco espaço para aumentar o número de pessoas vacinadas.
"Estamos chegando perto desse número final, em que se consegue avançar muito pouco. Sempre há espaço para avançar mais, mas em um ritmo muito lento – aquilo que a gente vacinava em um dia agora vacina em dois meses."
O ideal, segundo o especialista, seria uma cobertura vacinal de 90% com três doses, mas, atualmente, 88,9% dos brasileiros com 5 anos ou mais (que podem ser imunizados) tomaram a primeira dose. Desses, 82% receberam o esquema de duas doses ou dose única.
Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), a percepção de risco sobre a doença tem um papel na queda da busca pela imunização.
"Continuamos com transmissão ainda da doença, com mortes, e agora estamos vendo um aumento de positividade das amostras. Também tem o efeito da diminuição de as pessoas procurarem o teste. Elas têm uma síndrome gripal, a percepção do risco é menor. Há uma dificuldade de ter bons indicadores sobre a doença."
A média móvel de novos casos de Covid-19 nos últimos sete dias está em 17,7 mil, uma alta de quase 18% em relação ao observado há duas semanas.
Ainda assim, é um patamar baixo, mas que certamente está envolto em um grande número de diagnósticos subnotificados, segundo os especialistas.
"O Brasil ainda se encontra sob o efeito combinado do predomínio da variante Ômicron e cobertura de grande parte da população por pelo menos duas doses de vacinas. O cenário atual, porém, ainda pode trazer preocupação. A ocorrência de internações tem sido consistentemente maior entre idosos, em comparação às de adultos. Por se tratar de um grupo etário vacinado no início de 2021, a imunidade induzida pode se reduzir ao longo dos próximos meses, com possível aumento de casos e óbitos entre pessoas sem doses de reforço", consideram os pesquisadores da Fiocruz.
Kfouri acrescenta que um eventual recrudescimento dos novos casos e hospitalizações por Covid-19 faria com que ao menos uma parcela da população completasse o esquema vacinal de três doses.
"A percepção de risco é sempre o principal motivador para a vacinação. Claro que quando a gente vê novas ondas, especialmente se vêm acompanhadas de gravidade, vemos uma procura maior [pela vacina]. Você busca a proteção quando se sente ameaçado."
De acordo com o médico, já é consenso que o esquema primário deve ser de três doses.
"Essa terceira dose não é um reforço. [...] A gente entende que o que se agrega com a terceira dose em termos de proteção é muita coisa, não se trata de uma recuperação da perda que a segunda dose trouxe, é uma imunidade muito superior. Essa comunicação eu acho que é o que está faltando ser feito."
O boletim da Fiocruz aponta para uma desigualdade significativa da cobertura vacinal entre os estados. Enquanto São Paulo, por exemplo, tem 86,7% de toda a população com duas doses e 59,1% com a terceira dose, o Amapá tem 50,8% e 16,3%, respectivamente.
"O impacto é que o cenário fica muito diferente quando você tem locais com menor cobertura vacinal. As pessoas vão apresentar mais quadros graves. Em geral, esses locais tendem a ter uma estrutura hospitalar pior. Tem uma mortalidade que é diferente entre os estados", observa Ethel.
Na avaliação da professora, é importante que a população entenda que mesmo casos leves de Covid-19 podem causar problemas de saúde, e a vacinação é a principal forma de evitar a doença.
"Toda essa falsa ideia de que, se você pegar, não tem problema, isso foi bastante ruim, principalmente quando conseguimos uma vacinação um pouco mais robusta. A Covid é uma doença nova, estamos aprendendo, não é uma doença leve. Estamos vendo muitas sequelas, pessoas com problemas cardiológicos, metabólicos, pessoas que não eram diabéticas e não tinham problemas cardíacos e agora têm."